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17. Quando as Mulheres Vestem as Calças (Gênesis 16:1-16)

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Introdução

Há algum tempo, Bill Gothard veio a Dallas para falar a 2.600 pastores. Uma de suas afirmações foi um verdadeiro puxão de orelha em todos nós. Ele disse que, de longe, a maior queixa das esposas de pastor era que seus maridos não estavam assumindo a liderança espiritual de seus lares.

Inúmeras histórias comprovam essa queixa. A mais comum é aquela em que o pastor está no andar de baixo orando para o Senhor lhe dizer se deve ou não mudar de igreja, enquanto sua esposa está no andar de cima fazendo as malas.

Há não muito tempo, li a história de como um pastor foi chamado para pastorear uma das maiores igrejas dos Estados Unidos. Essa igreja havia pedido a ele para atuar como pregador substituto. Temendo que aceitar pudesse indicar a intenção de concorrer a um cargo tão cobiçado, ele recusou a oferta. Sua esposa, no entanto, não pensava da mesma forma e aceitou o convite por ele. Cumprindo o compromisso, mais tarde o homem veio a aceitar o chamado para ser o pastor daquela igreja.

Nem sempre a história acaba tão bem, como nos ensina o texto de Gênesis 16. Abrão, o homem de fé, revelou ter pés de barro até mesmo na sua casa. As consequências devastadoras da sua passividade diante da pressão devem servir de alerta para todos nós.

Embora este texto mostre que ele falhou ao dar ouvidos à sua esposa, deixe-me rapidamente dizer que muitos de nós falham justamente por não darmos ouvidos a elas quando devemos. Homens, não usem este texto como um trunfo sobre suas esposas, pois isso seria um grande erro. Que não venhamos a usar esta passagem para provar nossas ideias preconcebidas e preconceituosas, mas para iluminar o nosso coração e a nossa mente e, assim, crescer na fé.

A Proposta de Sarai (16:1-16)

Os primeiros seis versículos não são apenas uma condenação da postura e da conduta de Sarai. Na verdade, o que vemos é a combinação dos pecados de Abrão, Sarai e Agar, todos contribuindo para a discórdia que se seguiu. Apesar disso, foi Sarai quem deu início a essa sequência particular de eventos, por isso, vamos começar por ela.

Sarai, esposa de Abrão, era impedida de ter filhos. Um herdeiro talvez fosse a coisa mais desejada por um homem daqueles tempos. Este era o caso de Abrão, pois fora dito a ele que ele seria pai de uma grande nação:

De ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! (Gênesis 12:2)

Sarai se sentia pessoalmente responsável pela ausência desse filho. Ela achava que, por nunca ter dado à luz uma criança e por sua idade avançada parecer um impedimento a isso, outra coisa precisava ser feita para que Abrão pudesse ter um filho com outra mulher. Ela pensava: “Eis que o SENHOR me tem impedido de dar à luz filhos” (Gênesis 16:2).

Abrão, portanto, poderia ser pai de uma criança, ainda que Sarai não fosse a mãe.

A cultura daquela época fornecia os meios para concretizar as intenções de Sarai. Documentos antigos revelam que, quando uma mulher não pudesse dar um filho a seu marido, ela podia dar a ele uma das suas escravas como esposa e reivindicar como seu o filho dessa união1.

No entanto, as consequências do plano de Sarai nos dizem que essa proposta foi um erro. Várias evidências desse pecado podem ser demonstradas. Primeiro, Sarai parece ter suposto que a responsabilidade de dar um filho a Abrão fosse sua. Não há base na Escritura para essa suposição:

Ora, disse o SENHOR a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra. (Gênesis 12:1-3)

Nesta aliança de Deus com Abrão, Abrão recebeu apenas uma ordem — sair de Ur. Deus, por outro lado, prometeu guiá-lo (versículo um), fazer dele uma grande nação (versículo dois), e abençoar a Terra por meio dele (versículo três). Em lugar algum, nem ele nem Sarai são encarregados de gerar um filho. Implícita, ao menos, está a garantia de que Deus irá providenciar um.

As palavras de Sarai traem sua relutância em aceitar o fato de que foi Deus quem a impediu de ter um filho: “Eis que o SENHOR me tem impedido de dar à luz filhos; toma, pois, a minha serva, e assim me edificarei com filhos por meio dela” (Gênesis 16:2).

Eis aqui o pecado da presunção. Não confiando em Deus para lhe dar um filho, Sarai forçou a situação, pressionando Abrão a tomar Agar como esposa.

Estranhamente, o grande comentarista Leupold tenta diminuir a culpa de Sarai, salientando sua fé na promessa de Deus2 e sua abnegação em entregar Agar ao marido3. Não concordo com nenhuma dessas explicações. Em lugar algum há qualquer expressão de fé na promessa de Gênesis 12:1-3. Para mim, parece que ela queria se livrar do estigma social da esterilidade, e fortalecer seu relacionamento com Abrão dando-lhe um filho, mesmo que isso implicasse no sacrifício de seus princípios.

Embora a monogamia não fosse claramente ordenada, ela estava presente no conceito original e ideal de casamento (Gênesis 2:18-25). A primeira menção de poligamia está longe de ser um elogio (cf. Gênesis 4:19 e ss). Mais adiante no livro de Gênesis, ter mais de uma esposa sempre virá acompanhado de conflito e competição (cf. Gênesis 29:30 e ss).

Em minha opinião, Sarai não agiu com fé, mas com presunção. Sua principal preocupação parece ter sido o estigma social em relação à sua esterilidade. Talvez ela tenha teimado com Abrão até ele aceitar sua proposta. A fé não tenta forçar Deus a agir, nem age no lugar dEle, muito menos faz o que é sobrenatural no poder da carne.

Bem, fomos duros com Sarai. Alguns talvez achem até que foi demais. No entanto, embora ela tenha sido o agente causador deste fiasco, Abrão também teve culpa. Na verdade, de certa forma esse pecado pode ser rastreado até sua falta de fé, quando ele deixou Canaã e foi para o Egito (Gênesis 12:10 - 13:4). Será mera coincidência Agar ser egípcia?

Ora, Sarai, mulher de Abrão, não lhe dava filhos; tendo, porém, uma serva egípcia, por nome Agar. (Gênesis 16:1)

Há grande probabilidade de Agar ter sido um presente de faraó a Abrão, como parte do dote de Sarai: “Este, por causa dela, tratou bem a Abrão, o qual veio a ter ovelhas, bois, jumentos, escravos e escravas, jumentas e camelos” (Gênesis 12:16).

Mas este mundo dá muitas voltas. Creio que ela foi uma das consequências da falta de fé de Abrão no capítulo 12. Embora Sarai tenha sido o estopim no capítulo 16, a proposta só foi possível graças à decisão de Abrão de ir para o Egito.

No capítulo 16, Abrão está mais para um palerma do que para um patriarca. Sua esposa nem sequer mencionou Deus ou Sua aliança com ele. A fé não parecia um fator importante, nem a vontade de Deus. Que oportunidade para Abrão se mostrar firme! Mas, em vez disso, ele fez um papelão. Aparentemente, com pouco ou nenhum protesto, ele seguiu passivamente as instruções da esposa. Ela queria um herdeiro. Ela planejou a lua de mel. E Abrão fez exatamente o que ela lhe disse para fazer.

“E ouviu Abrão a voz de Sarai” (16:2, Almeida Atualizada e Almeida Corrigida e Revisada, Fiel). Ouvir, no Antigo Testamento, quase sempre é sinônimo de obediência. O problema de Abrão não foi ouvir, foi fazer o que ela propôs, sem pensar nas implicações. Duvido que ele realmente tenha “ouvido”, no sentido de compreender o que Sarai estava tentando lhe dizer. Estaria ela pedindo para ele dizer que a amava mesmo se não pudesse lhe dar um filho? Estaria ela pedindo para ele para restaurar sua confiança no amor e no infinito poder de Deus? Estaria precisando ser relembrada da promessa de Deus? Estaria querendo que ele lhe dissesse não? Talvez Abrão tenha obedecido sem nem mesmo entender o que ela tentava lhe dizer.

Agar também teve sua parcela de culpa. Até onde posso dizer, ela não errou quando foi para a cama com Abrão. Ela era escrava, sujeita à vontade de sua senhora. Ela tinha pouco ou nenhum poder de decisão. Contudo, ela errou quando sentiu orgulho e desprezo por Sarai.

Ele a possuiu, e ela concebeu. Vendo ela que havia concebido, foi sua senhora por ela desprezada. (Gênesis 16:4)

Agar se esqueceu de que Deus havia fechado o ventre de Sarai. Ela fez pouco do fato de “os filhos serem galardão de Deus” (Salmo 127:3).Parece que ela caiu nas graças de Abrão, principalmente quando ele soube que ela carregava um filho dele. Ela se sentiu superior à sua senhora, mas ainda era sua escrava. Ela se gabou do que não era motivo de orgulho.

E, assim, vemos uma sequência de pecados, começando no Egito e terminando na cama de uma escrava egípcia. É irônico como as coisas se invertem! No capítulo 12, a falta de fé de Abrão o fez sofrer enquanto Sarai estava no palácio de faraó. Agora, Sarai, devido à sua própria proposta, fica imaginando o que está se passando no quarto de Agar.

Cada um deles: Sarai, Abrão e Agar, foi pego na teia do pecado. Sarai agiu com presunção; Abrão escorregou na passividade; e Agar foi vítima do orgulho. E, em mais uma rodada de pecado, cada um deles reagiu mal ao dilema causado por seus próprios erros.

Sarai descobriu que o tiro saiu pela culatra. Uma criança nasceu, mas mesmo sendo amada por Abrão (17:18, 20; 21:11), foi desprezada por ela (21:10). Ismael causou desavença entre eles, não união. Até Agar, que antes fora leal, agora desprezava sua senhora.

Abrão tinha dado a Sarai o que ela queria, mas agora ela dizia que não: “Disse Sarai a Abrão: Seja sobre ti a afronta que se me faz a mim. Eu te dei a minha serva para a possuíres; ela, porém, vendo que concebeu, desprezou-me. Julgue o SENHOR entre mim e ti (Gênesis 16:5).

Apesar de todas as palavras religiosas proferidas por Sarai, elas não escondem sua culpa pelo que aconteceu. Embora estivesse furiosa com Abrão, ela tinha de saber que foi ela mesma quem fez a cama para Agar. Não há palavras de confissão ou arrependimento saindo de seus lábios, só um amargo remorso.

Abrão também não mudou de rumo. Ele deveria ter aprendido que passividade não é sinônimo de piedade. Deixar Sarai fazer as coisas do jeito dela era renunciar à sua própria liderança. Ele foi cúmplice do pecado de Sarai por não lhe dizer não ou não repreendê-la. A tremenda bronca de Sarai só serviu para afastá-lo ainda mais. Ele não reconheceu seu pecado, nem confrontou Sarai com os dela. Em vez disso, ele continuou permitindo a ela fazer as coisas do seu jeito.

Respondeu Abrão a Sarai: A tua serva está nas tuas mãos, procede segundo melhor te parecer. Sarai humilhou-a, e ela fugiu de sua presença. (Gênesis 16:6)

Antes, ele havia concordado com seu plano de gerar um herdeiro. Agora, ele dá a ela liberdade para lidar com Agar do jeito que quiser. Sarai parece ter agido dentro dos limites da legalidade4, embora tenha exagerado nos padrões de moralidade. Agar, cansada de enfrentar a tirania de Sarai, acaba fugindo, seguindo rumo ao Egito5.

A Intervenção Divina (16:7-16)

Já reparou que Deus está estranhamente ausente nos seis primeiros versículos deste capítulo? É bem verdade que Ele recebeu o crédito (ou a culpa) por Sarai não poder ter filhos. Mas, pelo jeito, ninguém O consultou ou buscou Sua vontade. Ninguém se lembrou da Sua promessa de providenciar um filho.

Mais triste ainda é o fato de Deus, até aqui, não ter falado. Parece que, quando o homem escolhe seguir seu próprio rumo, Deus sai do caminho, deixando-o sofrer as consequências de sua desobediência. Deus fala apenas com Agar. Ele a procura enquanto ela está fugindo. A razão dessa intervenção divina está nos versículos 7 a 16.

Já dissemos que Agar estava voltando para o Egito quando Deus a encontrou. As palavras do Senhor penetram profundamente nas suas ações e atitudes: “disse-lhe: Agar, serva de Sarai, donde vens e para onde vais?” (Gênesis 16:8).

Fugir não muda os relacionamentos, nem remove a responsabilidade. Jonas, mesmo dentro da barriga do peixe, ainda era o profeta de Deus com uma mensagem para os ninivitas. Agar continuava sendo a serva de Sarai, e ainda tinha o dever de servir sua senhora.

A pergunta “para onde vais?” parece ter sido intencionada para trazer Agar de volta à realidade. Talvez algum descontrole tivesse provocado sua decisão de fugir. Talvez ela só tivesse parado para pensar depois de haver alguma distância entre ela e sua cruel senhora. Só que agora era hora de pensar no futuro. Para onde ela iria? Voltar para o Egito? Depois de dez anos, e grávida? Isso seria sensato?

Levantando sérias questões sobre a decisão de Agar, Deus continua, fazendo-a se lembrar da sua obrigação. Ele ordena que ela volte para quem tem autoridade sobre ela: “Volta para a tua senhora e humilha-te sob suas mãos” (Gênesis 16:9).

Não podemos ler esta ordem sem nos lembrar das palavras de Pedro, em sua primeira epístola, aos servos cristãos:

Servos, sede submissos, com todo o temor ao vosso senhor, não somente se for bom e cordato, mas também ao perverso; porque isto é grato, que alguém suporte tristezas, sofrendo injustamente, por motivo de sua consciência para com Deus. Pois que glória há, se, pecando e sendo esbofeteados por isso, o suportais com paciência? Se, entretanto, quando praticais o bem, sois igualmente afligidos e o suportais com paciência, isto é grato a Deus. (1 Pedro 2:18-20)

Essas palavras não são fáceis, meu amigo, mas ignorá-las ou rejeitá-las será para o nosso próprio prejuízo. Hoje em dia, o compromisso do casamento parece ir só até onde a relação for a que esperamos. E isso também não é apenas da porta da igreja para fora: “De acordo com Lucille Lavender… ‘Dentre as profissões, as religiosas ocupam a terceira posição em número de divórcios concedidos a cada ano’”6.

Essa estatística é assustadora. Em nossos dias, queremos muito mais falar de prazeres e realizações do que de deveres e obrigações. Mas, o que Deus disse a Agar? Para cuidar do seu dever, mesmo que isso fosse extremamente difícil e desagradável.

Junto com a ordem, no entanto, veio uma promessa. Na verdade, a ordem era uma condição para o cumprimento da promessa:

Disse-lhe mais o Anjo do SENHOR: Multiplicarei sobremodo a tua descendência, de maneira que, por numerosa, não será contada. Disse-lhe ainda o Anjo do SENHOR: Concebeste e darás à luz um filho, a quem chamarás Ismael, porque o SENHOR te acudiu na tua aflição. Ele será, entre os homens, como um jumento selvagem; a sua mão será contra todos, e a mão de todos, contra ele; e habitará fronteiro a todos os seus irmãos. (Gênesis 16:10-12)

Acredito que Kidner esteja certo quando diz que, no cumprimento dessas promessas, Ismael seria uma paródia do seu pai7. Não é difícil notar traços da aliança abraâmica no que Deus fala para tranquilizar Agar.

Os descendentes de Ismael também seriam numerosos demais para serem contados (16:10, cf. 13:16; 15:5). Dele viriam príncipes e governantes (17:20). O que podia parecer uma maldição foi um grande consolo para Agar. Ismael viveria livre, sem restrições, sem algemas, e seria um espinho na carne de seus irmãos (16:12). Para Agar, a aflita serva de Sarai, isso foi fonte de grande esperança e consolo. Mesmo sob a mão cruel de sua senhora, dava quase para ouvi-la murmurando: “Você não perde por esperar, Sarai”.

O tema prevalente nos versículos 7 a 16 é expresso por Agar no versículo 13: “Tu és Deus que vê”.

O nome do seu filho serviu como recordação da compaixão de Deus pelos aflitos. Literalmente, Ismael significa “Deus ouve”. Mesmo quando é o escolhido de Deus a fonte da aflição, Ele ouve e cuida dos oprimidos. Esta verdade ajudou muito Agar nos anos difíceis que se seguiram.

Conclusão

Nosso texto mostra um dilema muitas vezes enfrentado pelas pessoas de fé, ou seja, “quando devo agir e quando devo esperar?” Saul estava errado quando foi em frente e ofereceu o sacrifício, embora as circunstâncias parecessem exigir uma atitude (1 Samuel 13), pois ele tinha recebido ordem para esperar (1 Samuel 10:8). Sacrificar foi um erro porque Deus o tinha proibido de fazer a tarefa de Samuel. Em Atos, capítulo 12, foi errado esperar, pois os cristãos reunidos deveriam ter agido. Pedro estava na prisão, condenado à morte (12:1-3). Os santos tinham se reunido para orar por ele (versículo 5). Talvez muitos tenham orado por uma morte rápida e indolor. Outros talvez tenham ousado orar por sua libertação. Mas quando Pedro estava à porta, batendo, continuar orando foi um ato de incredulidade. Naquele momento era hora de agir (abrir a porta), não de esperar (em oração).

Mas como podemos saber a diferença entre a hora de agir e a hora de esperar? Creio que Deus nos dá uma porção de princípios em Gênesis 16 para nos ajudar a perceber a diferença entre as duas coisas. Deixe-me sugerir alguns:

(1) Devemos agir quando Deus nos dá claramente a responsabilidade e a autoridade para isso. Deus nunca colocou a responsabilidade de gerar uma criança sobre Sarai ou Abrão. Ele tinha prometido lhes dar um filho (cf. Gênesis 12:1-3; 17:6, 16, 19). Assim como tinha impedido Sarai de conceber (16:2), Deus também iria providenciar o herdeiro. Na minha opinião, nós andamos em terreno perigoso quando “caminhamos pela fé” numa área onde não temos a promessa da presença ou da bênção de Deus, ou onde não temos um princípio ou mandamento no qual basear nossa conduta.

Além disso, não podemos esperar ser bem-sucedidos em qualquer atividade para a qual Deus não nos deu poder para produzir fruto espiritual. Como Paulo esclarece (Gálatas 4:21 e ss), Ismael foi resultado de obra da carne, não do espírito. Isaque foi resultado da atividade divina em Abrão e Sarai. Nenhuma obra de fé é obra da carne. A obra de Deus é aquela realizada por meio da capacitação do Espírito (cf. Gálatas 5:16-26).

(2) Devemos seguir em frente só quando formos motivados pela fé. Sarai parece que se sentiu compelida a agir porque Deus a tinha impedido de ter filhos (cf. 16:2). Apesar das tentativas de vários comentaristas em provar o contrário, o comportamento de Sarai (e Abrão) denuncia seu medo, não sua fé. Paulo é bem claro quando escreve: “tudo o que não provém de fé é pecado” (Romanos 14:23).

Diversas coisas devem nos fazer esperar ou, pelo menos, tomar algumas medidas de precaução. Deixe-me propor alguns fatores que podem sugerir que devemos esperar ao invés de agir.

(a) Devemos pensar antes de “agir”, quando parece que Deus está nos impedido de ter o que buscamos. Esta é uma questão difícil, pois às vezes Deus deseja fortalecer a nossa fé permitindo que tenhamos obstáculos a superar (cf. Êxodo 14:10 e ss; Neemias, por exemplo, 6:1-9). Outras vezes, as barreiras são colocadas para mudar a nossa direção (cf. Atos 16:6-7). Saber a diferença entre os problemas e as proibições requer a sabedoria que Deus nos dá livremente quando a pedimos com fé (Tiago 1:5-6).

(b) Devemos ter muita cautela ao fazer qualquer coisa que apele para os nossos apetites carnais. Pare e pense no que poderia ter feito Abrão seguir as instruções de Sarai. Lembre-se, basicamente ela o estava incentivando a ir para a cama com sua serva (cf. 16:2, 3, 4, 5). Sem dúvida, Agar era jovem e atraente. Você acha que faraó teria dado a Abrão uma serva como parte de um dote se ela não tivesse nenhum atrativo físico? Gestos aparentemente nobres podem esconder muitos motivos carnais. Sugiro que questionemos qualquer atitude que apele para os nossos apetites carnais.

(c) Devemos ficar em dúvida quando nossa principal razão para fazer alguma coisa é aliviar a pressão, em vez de colocar em prática algum princípio. Até onde posso dizer, a única razão para Abrão ter tomado Agar foi para acalmar, e talvez até silenciar, sua esposa. A pressão exercida pelos outros geralmente é uma razão muito fraca para se fazer alguma coisa.

(d) Nunca devemos agir quando nossos métodos não são compatíveis com os nossos objetivos ou com o nosso Deus. Embora o objetivo dos esforços de Abrão e Sarai fosse o nascimento de um filho, um herdeiro, os meios utilizados não foram para glorificar a Deus. É preciso admitir, no entanto, que aqueles meios eram legais e culturalmente aceitáveis. Contudo, parecem estar longe do ideal divino. A união com Agar foi uma tentativa de realizar o trabalho de Deus com metodologia do mundo.

Abrão, como resultado da sua falta de fé, descobriu as dolorosas consequências de tentar ajudar a Deus. Neste sentido, Deus não precisa, e não pode, usar a nossa ajuda. Ele quer trabalhar por meio de nós. Ele tinha o propósito de dar um filho a Abrão e Sarai. A tentativa deles de conseguir um filho sozinhos resultou no conflito entre judeus e árabes ao longo dos séculos.

Quanto a esperar, esta é uma coisa que muita gente acha muito difícil. Temos um pedacinho de plástico que fica nos cutucando para agir ao invés de esperar Deus agir. Ele se chama cartão de crédito. Pra que orar pelo alimento? É só sair para jantar e colocar no MasterCard. O cartão em si não é algo tão ruim, mas com certeza é uma tentação para agir com presunção em vez de esperar o tempo de Deus.

A fé, pelo que podemos ver, é confiar nas promessas de Deus apesar dos nossos problemas, sabendo que com Ele tudo é possível. A falta de fé se concentra nos problemas, supondo que, se Deus não agir dentro do nosso padrão de tempo e dentro das nossas expectativas, precisamos dar a Ele uma mãozinha. A fé crê não apenas que Deus nos dará o que Ele prometeu, mas também que Ele providenciará os meios para fazermos isso, ou Ele mesmo o fará.

Deixe-me fazer mais uma observação. Deus falou com Agar neste capítulo, mas não com Abrão ou Sarai. Aliás, Moisés nos diz que (pelo menos até onde vai o registro histórico) Deus não falou com Abrão durante 13 anos (cf. 17:1). Quando decidimos agir com base nas circunstâncias, Deus talvez só fale conosco por meio das circunstâncias — alta, clara e dolorosamente.

Parece que Abrão preferiu exercer a liderança recebida de Deus por meio da sua esposa, já que ele não questionou suas opiniões ou buscou orientação divina (pelo menos em nossa passagem). Não é interesse que Abrão só tenha sabido qual nome dar a seu filho por intermédio das palavras ditas por Deus a Agar (16:11, cf. versículo 15)? Quando decidimos ser guiados pelos outros ao invés de sermos guiados por Deus, Ele pode nos deixar fazer as coisas do nosso jeito, durante algum tempo. Só que, ai de nós, como esse tempo será solitário! Que falta iremos sentir da Sua companhia e da intimidade com Ele!

Enfeite este texto o quanto quiser, ele ainda mostra que o lar de Abrão era abalado pelas mesmas dificuldades com as quais nos deparamos hoje em dia. Que Deus nos guarde de sermos presunçosos. Que Ele ajude a quem for esposa a não pressionar seu marido para fazer o que ela acha certo. Que Ele ajude a quem for marido a não renunciar à sua responsabilidade, mas a liderar o seu lar.

Passividade não é piedade, nem presunção. Que Deus nos ajude a andar na linha tênue entre ambas.

Uma observação final. Muitas pessoas querem ajudar Deus a salvá-las. Elas querem um sistema de salvação que lhes permita participar do processo de salvação. Amigo, não há nada com que você possa contribuir para a sua salvação. Como ensinam as Escrituras,

… como está escrito: Não há justo, nem um sequer (Romanos 3:10)

Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia; todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniqüidades, como um vento, nos arrebatam. (Isaías 64:6)

Assim como Abrão não pôde ajudar Deus a produzir um filho pelo esforço humano, você também não pode ajudar Deus a salvar sua alma. A salvação é um dom de Deus, por meio da fé naquilo que Jesus Cristo fez pelos pecadores perdidos.

Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor. (Romanos 6:23)

Pelo reconhecimento de que você é impotente para agradar a Deus, que Jesus Cristo pagou por seus pecados e lhe provê a sua justiça, você pode ser salvo.

Tradução e Revisão: Mariza Regina de Souza


1 “O Código de Hamurabi permitia que uma sacerdotisa naditum, a qual fosse livre para se casar mas não pudesse ter filhos, dar ao marido uma de suas servas por meio de quem ele pudesse ter filhos: ‘Quando um homem de posição se casou com uma prostituta cultual e esta lhe deu uma de suas servas, com a qual, então, ele tem filhos; se, mais tarde, essa serva reivindicar igualdade com sua senhora por causa dos filhos, sua senhora não poderá vendê-la; ela poderá marcá-la e contá-la entre suas escravas’.a Embora esta cláusula ilustre uma prática comum, ela é menos pertinente do que o costume em Nusi. Um texto diz: ‘Se Gilimninu não puder ter filhos, Gilimninu tomará para Shenninma uma mu­lher da terra de Lullu (ou seja, uma escrava) como concubina. Neste caso, a própria Gilimninu terá autoridade sobre os descendentes…’b” John Davis, Do Paraíso à Prisão: Estudos em Gênesis (Grand Rapids: Baker Book House, 1975), p. 188. Aqui Davis está citando (a) Pritchard, ANET, p. 172 (parágrafo 149), e (b) Speiser, Gênesis, p. 120.

2 “O sumário feito por Calvino sobre o caso é muito bom: ‘Ambos eram fracos na fé; mas não realmente em relação ao conteúdo da promessa, só quanto ao método que usaram’”.  H. C. Leupold, Exposição de Gênesis (Grand Rapids: Baker Book House, 1942), I, p. 493-4.

3 “Quando Abrão ‘dá ouvidos’ (shama’) à ‘voz’ de sua esposa (qol), ele ‘aprova a sugestão de Sarai’. Sem dúvida, o patriarca ficou impressionado pela completa abnegação de Sarai”. (Ibid, p. 496)

4 “A lei 146 do Código de Hamurabi proíbe a concubina de reivindicar igualdade com a esposa, sob pena de rebaixamento à sua antiga condição de escrava. A queixa de Sarai a Abrão reflete o conhecimento desses dois documentos sociais. Sarai exige que Abrão faça alguma coisa sobre o desprezo de Agar. Abrão atribui a Sarai a disciplina de Agar”.  Harold G. Stigers, Comentário sobre Gênesis (Grand Rapids: Zondervan, 1976), p. 161.

5 “‘Muitos consideram que Sur’ signifique “muro”, um sentido bastante possível de acordo com o aramaico. Neste episódio, talvez seja o nome de uma série de fortalezas erguidas pelo rei egípcio, possivelmente no istmo de Suez, para manter longe os invasores asiáticos. Neste caso, Agar estava naturalmente no caminho de volta para sua pátria, o Egito”. Leupold, Gênesis, I, p. 500.

6 Mary LaGrand Bouma, Minister’s Wives: The Walking Wounded, Leadership, Winter, 1980, vol. 1., p. 63.

7 “Até certo ponto, este filho de Abrão seria uma sombra, quase uma paródia, de seu pai; seus doze príncipes notáveis em sua época (17:20; 25:13), mas não na história da salvação; sua existência inquieta não uma peregrinação, mas um fim em si mesmo; seu inconformismo um estado da mente, não uma luz para as nações”. Derek Kidner, Gênesis: Introdução e Comentário (Chigago, Inter-Varsity Press, 1967), p. 127.

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