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3. Dois Carecas Brigando Pelo Mesmo Pente (II Samuel 2:1-3:39)

Introdução

Anos atrás, participei de uma conferência para líderes cristãos em Dalas em que Luis Palau, evangelista e professor muito abençoado, foi o orador. A conferência ocorreu não muito depois da Guerra das Malvinas entre Inglaterra e Argentina. Luis havia liderado campanhas evangelísticas naqueles dois países pouco antes da guerra estourar; por isso, provavelmente, deve ter falado do evangelho tanto para soldados argentinos, quanto para soldados ingleses. Aquela guerra intrigava o Sr. Palau. Em certa ocasião, quando teve uma oportunidade de se encontrar com um membro do Parlamento britânico, o Sr. Palau perguntou a ele qual a razão daquele conflito, tendo recebido uma resposta curta e breve: “Dois carecas brigando pelo mesmo pente”. Ao ler os dois primeiros capítulos de II Samuel, o diagnóstico daquele parlamentar parece se ajustar perfeitamente à guerra entre o exército de Davi, parcialmente liderado por Joabe, e o exército de Isbosete, liderado por Abner. Veremos que, muito embora a origem desse conflito possa ter sido banal, suas consequências vão muito além da banalidade. Os acontecimentos de nosso texto não são nem de longe “coisa de um passado remoto e distante”, como poderíamos pensar; na verdade, discutiremos nesta mensagem que eles são muito relevantes para os cristãos e para a igreja de nossos dias.

Você (e eu também) talvez esteja ansioso para ver Davi no trono de Israel, mas ainda é cedo. Isso só acontecerá no capítulo cinco. Até lá, devemos voltar nossa atenção para o texto e suas lições. Estes capítulos têm muito a nos dizer sobre Davi, mas iremos considerar sua dimensão na próxima lição. Por enquanto, é preciso observar que eles se concentram, principalmente, em dois homens: Abner e Joabe. Esses dois militares têm grande impacto sobre a vida de Davi, seu reino e a história de Israel. Suas vidas se cruzam nos capítulos dois e três. Nosso texto mostra em detalhes o final da vida de Abner e o início da liderança de Joabe sob o governo de Davi.

Nesta lição, tentaremos retroceder um pouco na história de ambos para ver os acontecimentos desta passagem a partir de um contexto mais abrangente de suas vidas. Os dois homens têm algo a nos ensinar. A vida pessoal de cada um, seu relacionamento um com o outro e com os reis de Israel também têm muito a nos dizer; assim, vamos começar com um esboço biográfico dos dois, Abner e Joabe.

Abner Está Em Toda Parte: Breve Esboço Biográfico

Quando as jumentas de Quis se extraviam, ele envia seu filho Saul para encontrá-las e levá-las de volta, com o auxílio de um servo (I Sm. 9:3 e ss). Durante sua busca pelas jumentas, Saul e o servo encontram Samuel, o qual unge secretamente Saul, designando-o como o primeiro rei de Israel. Quando retornam para casa, um tio não-identificado de Saul vai ao seu encontro, sondando-o com algumas perguntas:

“Perguntou o tio de Saul, a ele e ao seu moço: Aonde fostes? Respondeu ele: A buscar as jumentas e, vendo que não apareciam, fomos a Samuel. Então, disse o tio de Saul: Conta-me, peço-te, que é o que vos disse Samuel? Respondeu Saul a seu tio: Informou-nos de que as jumentas foram encontradas. Porém, com respeito ao reino, de que Samuel falara, não lho declarou.” (I Samuel 10:14-16)

Há uma boa chance desse “tio” ser Ner, irmão de Quis, pai de Saul. É facil perceber porque talvez ele esteja interessado no encontro de Saul com Samuel. Israel exigiu um rei como o das demais nações e Deus atendeu seu pedido por intermédio de Samuel (I Samuel 8). Samuel é também aquele que irá designar esse rei e isso ainda não aconteceu. Ner não deixaria esse encontro passar despercebido. O êxito de Saul (como rei) provavelmente significará o êxito de toda a “família”. É bastante razoável que Abner, filho de Ner e primo de Saul, seja o futuro comandante das forças armadas de Israel.

Abner não aparece na história até o encontro de Davi com Golias, conforme registrado no capítulo 17 de I Samuel. Se esperamos que Saul enfrente Golias, o que ele não faz, certamente o próximo da fila para encarar o gigante é o comandante de seu exército. No entanto, Abner está sentado a seu lado, aparentemente assistindo a batalha de uma distância segura:

“Quando Saul viu sair Davi a encontrar-se com o filisteu, disse a Abner, o comandante do exército: De quem é filho este jovem, Abner? Respondeu Abner: Tão certo como tu vives, ó rei, não o sei. Disse o rei: Pergunta, pois, de quem é filho este jovem. Voltando Davi de haver ferido o filisteu, Abner o tomou e o levou à presença de Saul, trazendo ele na mão a cabeça do filisteu.” (I Samuel 17:55-57)

Embora isso possa parecer demasiadamente cruel, entendo que o texto está dizendo que o primo Abner, comandante militar de Israel, está tão apavorado com Golias quanto o resto de seus homens, e Saul:

“Ouvindo Saul e todo o Israel estas palavras do filisteu, espantaram-se e temeram muito.” (I Samuel 17:11)

“Todos os israelitas, vendo aquele homem, fugiam de diante dele, e temiam grandemente.” (I Samuel 17:24)

Covardia nas fileiras sugere covardia também nos altos escalões.

Davi e Abner devem se conhecer razoavelmente bem. Abner é o comandante do exército israelita e Davi um herói de guerra designado como comandante de mil (I Samuel 18:13) que ganha o respeito de seus homens em razão de suas vitórias militares (18:30). Além disso, Abner (como Davi) é convidado regular à mesa de Saul (20:25).

A princípio, certamente Abner não conhece Davi tão bem; mas tudo muda rapidamente depois da vitória de Davi sobre Golias. Ele é promovido a comandante de mil (I Samuel 18:13), o que não deve escapar à observação de Abner. Quando Saul se volta contra Davi, Abner apoia seu primo e rei. E, tendo em vista que Saul emprega seu exército para buscar e matar Davi, seu comandante deve estar envolvido nisso (ver I Samuel 26:3-5, 13-16). Talvez o envolvimento de Abner na vida de Davi seja muito maior do que gostaríamos de saber:

“Acampou-se Saul no outeiro de Haquila, defronte de Jesimom, junto ao caminho; porém Davi ficou no deserto, e, sabendo que Saul vinha para ali à sua procura, enviou espias, e soube que Saul tinha vindo. Davi se levantou, e veio ao lugar onde Saul acampara, e viu o lugar onde se deitaram Saul e Abner, filho de Ner, comandante do seu exército. Saul estava deitado no acampamento, e o povo, ao redor dele. ...Tendo Davi passado ao outro lado, pôs-se no cimo do monte ao longe, de maneira que entre eles havia grande distância. Bradou ao povo e a Abner, filho de Ner, dizendo: Não respondes, Abner? Então, Abner acudiu e disse: Quem és tu, que bradas ao rei? Então, disse Davi a Abner: Porventura, não és homem? E quem há em Israel como tu? Por que, pois, não guardaste o rei, teu senhor? Porque veio um do povo para destruir o rei, teu senhor. Não é bom isso que fizeste; tão certo como vive o SENHOR, deveis morrer, vós que não guardastes a vosso senhor, o ungido do SENHOR; vede, agora, onde está a lança do rei e a bilha da água, que tinha à sua cabeceira. Então, reconheceu Saul a voz de Davi e disse: Não é a tua voz, meu filho Davi? Respondeu Davi: Sim, a minha, ó rei, meu senhor. Disse mais: Por que persegue o meu senhor assim seu servo? Pois que fiz eu? E que maldade se acha nas minhas mãos? Ouve, pois, agora, te rogo, ó rei, meu senhor, as palavras de teu servo: se é o SENHOR que te incita contra mim, aceite ele a oferta de manjares; porém, se são os filhos dos homens, malditos sejam perante o SENHOR; pois eles me expulsaram hoje, para que eu não tenha parte na herança do SENHOR, como que dizendo: Vai, serve a outros deuses. Agora, pois, não se derrame o meu sangue longe desta terra do SENHOR; pois saiu o rei de Israel em busca de uma pulga, como quem persegue uma perdiz nos montes.” (I Samuel 26:3-5; 13-20)

Abner não é só o comandante do exército de Saul, ele é também o chefe de sua segurança. Quando estava em perseguição a Davi, Saul dormiu cercado por suas tropas, com Abner ao seu lado. Se qualquer pessoa tentasse fazer algum mal a Saul, teria de passar primeiro pelos soldados espalhados ao seu redor e depois por seu primo. Sabemos que, nessa ocasião, eles são divinamente anestesiados (26:12). Por isso, depois de pegar a lança e o jarro d’água de Saul, Davi se dirige especificamente a Abner, acusando-o de abandono do dever, sendo assim digno de morte (26:14-16). As palavras de Davi, com certeza, devem tê-lo humilhado publicamente.

A acusação vai muito além do desempenho de Abner em serviço. Afinal, a culpa realmente não é dele. Se Deus fez todo o exército adormecer, como ele poderia ter permanecido acordado? O que, então, Davi tem contra ele em especial? O que Abner, de modo pessoal e particular, fez de errado? A resposta é sugerida no verso 9, onde Davi pergunta a Saul por que ele o persegue. Foi Deus quem o mandou fazer isso ou foi alguém próximo a ele, alguém que lhe tinha acesso e também um ouvido atento? A seguir, Davi amaldiçoa quem estiver enganando o rei, fazendo-o pensar injustamente que ele é uma ameaça ao seu trono. Isso é coerente com suas palavras anteriores no capítulo 24:

“Depois, também Davi se levantou e, saindo da caverna, gritou a Saul, dizendo: Ó rei, meu senhor! Olhando Saul para trás, inclinou-se Davi e fez-lhe reverência, com o rosto em terra. Disse Davi a Saul: Por que dás tu ouvidos às palavras dos homens que dizem: Davi procura fazer-te mal? Os teus próprios olhos viram, hoje, que o SENHOR te pôs em minhas mãos nesta caverna, e alguns disseram que eu te matasse; porém a minha mão te poupou; porque disse: Não estenderei a mão contra o meu senhor, pois é o ungido de Deus.” (I Samuel 24:8-10)

Quando juntamos todos estes elementos, percebemos que Abner é realmente culpado por não ter protegido seu rei, sendo, por isso, digno de morte. Embora de origem divina (por Deus ter feito todos dormir), a falha de Abner tornou Saul vulnerável a Abisai, o qual estava determinado a matá-lo caso não fosse impedido por Davi. Davi prova que é um protetor da vida Saul bem mais eficaz do que Abner. A seguir, ele amaldiçoa quem estiver jogando Saul contra ele. Quem parece ser o maior culpado? É ou não é Abner?

Davi diz que alguém está envenenando a cabeça de Saul contra ele, retratando-o como um inimigo determinado a prejudicar o rei. Quem tem mais a perder? Se Davi é o melhor guerreiro e líder militar de Israel, quem deveria estar no comando das forças de Saul? Quem tem mais intimidade com o rei e maior acesso a ele do que Abner? Abner é o comandante do exército, mas, muito mais do que isso, ele é também primo de Saul. Da mesma forma que ele tinha muito a ganhar com a designação de Saul como rei, ele tem muito a perder com sua destituição. Abner sabe que Davi é aquele que foi ungido por Samuel para substituir Saul. Quando Saul morre, é Abner quem levanta maior oposição à nomeação de Davi como rei. Não seria nenhuma surpresa saber que ele está alimentando Saul com falsas informações, informações que fazem Davi parecer um adversário que precisa ser caçado e morto. Abner não é amigo de Davi; nem mesmo um bom amigo de seu primo Saul.

É estranho que Abner não seja mencionado desde o capítulo 26 de I Samuel até o capítulo 2 de II Samuel, uma vez que, afinal de contas, ele é o comandante das forças de Israel. Onde está Abner nos capítulos intermediários, quando os israelitas lutam contra os filisteus? Onde está Abner quando Israel sofre grande derrota e muita gente foge para se salvar (31:7)? Onde está Abner, o homem sempre à direita de Saul, quando os filhos do rei são assassinados e Saul e seu escudeiro se suicidam? Dá até para perguntar: Onde está Abner quando as coisas se complicam? (Este parece ser o lema de Abner: “Quando as coisas se complicam, é hora de eu me mandar... para o outro lado”). Quando a poeira assenta, Abner ainda está vivo, bem como Isbosete, um dos filhos de Saul. Nosso texto recomeça aqui, logo após o lamento de Davi pelas mortes de Saul e Jônatas. Daremos primeiro uma olhada na vida de Joabe e depois nas consequências de seu confronto com Abner.

Joabe

Joabe é mencionado pela primeira vez em I Samuel 26:6. Na verdade, a passagem se refere a seu irmão mais velho, Abisai, o qual vai com Davi ao acampamento de Saul (enquanto Abner está dormindo ao lado dele para protegê-lo). Abisai se oferece para acompanhar Davi no que parece ser uma missão suicida: dois homens tentando chegar ao rei passando por 3.000 soldados de suas tropas especiais (26:2). A intenção de Abisai é matar Saul de um só golpe (26:8). Tudo indica que ele o fará se não for impedido por Davi e, provavelmente, ainda matará Abner de lambuja! A questão, porém, é que aqui Abisai, o irmão mais velho (ao que parece - ver I Crônicas 2:16), é referido como “o irmão de Joabe” (I Samuel 26:6). Isso parece sugerir que Joabe seja o mais conhecido dos dois.

Joabe não entra em cena até aparecer novamente em nosso texto (II Samuel 2:13 e ss), o que não quer dizer que este seja seu primeiro encontro com Davi. Eles são parentes. A mãe de Joabe, Zeruia, é irmã de Davi, e Abigail é outra irmã, a qual, por sua vez, é mãe de Amasa (I Crônicas 2:12-17). Amasa aparece na história um pouco depois (II Samuel 19-20). Sabemos que Asael é sepultado no túmulo de seu pai, em Belém (II Samuel 2:32). Abisai, Joabe e Asael estão com Davi desde que se juntaram a ele na caverna de Adulão:

“Davi retirou-se dali e se refugiou na caverna de Adulão; quando ouviram isso seus irmãos e toda a casa de seu pai, desceram ali para ter com ele. Ajuntaram-se a ele todos os homens que se achavam em aperto, e todo homem endividado, e todos os amargurados de espírito, e ele se fez chefe deles; e eram com ele uns quatrocentos homens.” (I Samuel 22:1-2)

Creio que, quando os sentimentos de Saul com relação a Davi (e a qualquer um que o apoie - ver 22:6-19) se tornam conhecidos, Abisai, Joabe e Asael fogem de Belém, junto com os outros membros da família de Davi, sabendo (ou, pelo menos, temendo) que Saul pode despejar sua raiva sobre eles. A estes familiares juntam-se muitas outras pessoas que também haviam caído no desfavor de Saul. Boa parte desse grupo vai formar o bando de guerreiros de Davi, onde Abisai e Joabe se sobressaem como soldados e líderes militares devido à sua coragem e habilidade.

Inicialmente Davi é o comandante de seu pequeno bando. Isso ocorre durante os anos em que ele foge de Saul até a época em que deixa Ziclague e volta para Hebrom (I Samuel 30:8, 10, 17-25). Antes de Davi se tornar rei, Joabe é um de seus comandantes. Só depois que Davi começa a governar sobre Israel e Judá é que Joabe se torna o comandante do exército de Israel. Ele ganha esse posto por aceitar o desafio de subir contra Jebus (Jerusalém) e atacá-la (I Crônicas 11:6).

Deixaremos por alguns instantes os fatos ocorridos em II Samuel 2 e 3 para dar uma olhada nos acontecimentos posteriores da vida de Joabe. De maneira geral, podemos dizer que ele é um líder militar forte e corajoso. Isso pode ser visto na batalha travada contra os amonitas, sírios e outros povos em II Samuel 10 (observe especialmente os versos 9-14). Além de grande guerreiro e líder militar, ele é também um homem de qualidades notáveis. Quando a cidade real amonita de Rabá está praticamente derrotada, em vez de tomar para si o crédito pela vitória, ele inisiste para que Davi vá até lá e receba a glória ele mesmo (II Samuel 12:26-31). Quando Davi imprudentemente ordena que ele faça o censo de Israel, Joabe protesta veementemente, mas sem sucesso (II Samuel 24:2-4).

Joabe demonstra também grande discernimento e força de caráter em suas relações com Davi e Absalão. Ele é quem serve de mediador entre os dois. Ele percebe que Davi quer se reencontrar com o filho exilado, Absalão (13:39), e arranja uma mulher sábia de Tekoa para encernar uma história para Davi (14:2 e ss). Quando Davi julga a causa da mulher, ela o aconselha a lidar com Absalão da mesma forma. Ele entende o recado e também percebe que Joabe deve estar por trás da trama (14:19); contudo, o plano de Joabe não parece ser interesseiro. O que ele pretende é reconciliar Davi com o filho. Ele tenta fazer com que Davi lide com Absalão da mesma forma com que faria com qualquer outra pessoa. Joabe parece genuinamente gratificado e satisfeito com a reação de Davi (14:22). Depois que Absalão se rebela contra o próprio pai e tenta usurpar seu trono, Joabe o trata com muito mais severidade, enquanto Davi parece ter um coração mais mole e complacente. Davi ordena que seus soldados tratem Absalão sem muito rigor, o que é uma grande tolice. Quando surge uma oportunidade, Joabe pessoalmente dá cabo de Absalão, auxiliado por alguns de seus homens (II Samuel 18:14-15). Quando Davi envergonha o povo com sua conduta pela morte de Absalão, Joabe o repreende severamente (19:5 e ss) e Davi acata sua admoestação (19:8).

Apesar de todos esses pontos favoráveis, Joabe é também um homem violento, cujas ações, muitas vezes, são impensadas e totalmente condenáveis. Quando Davi comete adultério com Bate-Seba e tenta se livrar do marido dela, Urias - o Hitita, ele encontra em Joabe um cúmplice pronto a executar suas ordens (ver II Samuel 11:6). Joabe parece não levantar nenhuma objeção ao pedido de Davi; ele simplesmente o obedece. Quando Absalão temporariamente se apossa do trono de Davi, ele substitui Joabe por Amasa. Mais tarde, Absalão é derrotado e Davi recupera o trono, designando Amasa como comandante do exército em lugar de Joabe (II Samuel 19:13). Quando Seba, outro benjamita (como Saul, Jônatas e Isbosete) se rebela contra Davi, Davi ordena que Amasa faça o censo das tropas de Judá. Quando Amasa não aparece no tempo determinado, Davi manda Abisai (irmão mais velho de Joabe) sair e capturar Seba (II Samuel 20:4-7). Abisai sai junto com Joabe e seus homens. Ao encontrar Amasa, Joabe o mata quase da mesma maneira como matou Abner (II Samuel 20:8-10). Joabe e Abisai, então, saem em perseguição de Seba (20:10). Depois que a cabeça de Seba é jogada por cima do muro para ele, Joabe desiste da perseguição e volta a ser o comandate de todo o exército (20:23).

Quando Davi envelhece e não consegue mais governar eficazmente, ele demora em designar e empossar Salomão como seu sucessor. Adonias procura tirar vantagem da situação, dando início a um plano para usurpar o trono de Salomão e proclamar-se rei (I Reis 1:5 e ss). Adonias é um rapaz muito bonito, nascido depois da morte de Absalão (1:6). Aparentemente, ele nunca recebeu um “não” de Davi (1:6). Joabe e Abiatar, o sacerdote, juntam-se a ele em sua conspiração. Davi, por fim, é persuadido por Bate-Seba e Natã, o profeta, a ungir publicamente Salomão como seu sucessor. Ao assumir o trono de seu pai, Salomão permite que Adonias continue vivo (durante algum tempo); no entanto, Adonias acaba finalmente sendo executado quanto tenta uma vez mais depor Salomão e assumir o governo de Israel (pedindo para si Abisague, concubina de Davi). Joabe, igualmente, é executado, não só por ter tomado parte na conspiração contra Salomão, mas também por ter assassinado Abner e Amasa (ver I Reis 2:5-6, 28-35).

“Meus Três Filhos... E Abner”
(2-3)

Esta mensagem não é, de forma alguma, uma ampla exposição destes dois capítulos. Tenho mais um sermão no qual tento juntar todas as partes desta passagem. Aqui, meu objetivo é mostrar algumas ocasiões em que Abner e Joabe se confrontam. Tentarei me concentrar nos acontecimentos que levaram à guerra entre os homens de Judá e os de Israel e nas consequências desse conflito.

Davi busca orientação divina e é dirigido por Deus à cidade de Hebrom. Logo depois, chegam ali suas esposas e o restante de seus seguidores com suas famílias; os homens de Judá ungem Davi como rei - rei de Judá (2:1-4a). A bondade de Davi para com os homens de Jabes-Gileade (2:4b-7) dá ao povo de Israel excelente oportunidade para também fazê-lo seu rei. Pelas palavras de Abner em 3:17-19, parece que os homens de Israel não apenas sabem que Davi foi designado como substituto de Saul, mas também o querem como rei. O problema está em Abner. Ele se opõe ao reinado de Davi em lugar de Saul, seu primo, e orquestra as coisas para que Isbosete, o filho sobrevivente de Saul, reine em Israel. Isso adia o reinado de Davi sobre todo Israel por vários anos (2:8-11).

Hoje em dia, as gangues são um dos principais problemas das grandes cidades. Elas oferecem senso de identidade e inclusão, um certo tipo de camaradagem e uma sensação distorcida, embora falsa, de segurança. Os atentados são cada vez mais frequentes e, quando ocorrem, uma das primeiras coisas em que pensamos é que deve ser coisa de gangue. Quando um membro de determinada gangue é morto por um membro de outra, com certeza mais sangue será derramado em retaliação. Uma gangue matará um membro de outra só para elevar seu “status” (“a gente é tão durão que pode matar quem quiser, na hora que quiser!”). As gangues não fazem nenhum sentido para nós, mas fazem para quem pensa como membro delas; tudo parece muito lógico, prá não dizer correto.

Nós achamos que as gangues são um fenômeno da nossa época. Ao lermos sobre essa “competição” entre os 12 servos de Isbosete e os 12 servos de Davi, achamos também que seja algum tipo de disputa tribal antiga, sem nenhuma relação com os tempos atuais. Gostaria de dizer que há bem poucas diferenças entre as guerras de gangues de nossos dias e a “competição” descrita em II Samuel 2:12-17. Rivalidade entre gangues e rivalidade entre tribos é quase a mesma coisa.

Pense por alguns instantes nessa competição em termos de século vinte. As gangues são os Judes e os Benjies. Os líderes são Abner (benjamitas/israelitas) e Joabe (judeus). Corre a notícia de que haverá uma briga entre as gangues rivais. Lugar e hora são marcados. Os Benjies tomam posição e os Judes também, uma gangue de frente para a outra. Abner e Joabe começam a exibir seus músculos e a desmoralizar seu adversário. Finalmente, ambos concordam que deveria haver uma competição para mostrar qual gangue é a melhor. Cada lado seleciona doze lutadores. O vencedor tem a melhor gangue. O problema é que cada lutador está determinado a matar seu oponente e, quando a luta começa, eles se agarram pelos cabelos, enfiando a lâmina da espada um no peito do outro. Todos os 24 morrem, o que leva todo mundo a entrar na briga no mesmo instante, resultando em muitas outras mortes.

O combate é inútil e desnecessário, nada mais fazendo do que intensificar o já existente senso de rivalidade e competição entre a tribo de Judá e as demais tribos de Israel, especialmente a de Benjamim (a tribo de Abner, Saul e Isbosete). Enquanto Joabe rapidamente aceita o desafio, Abner parece orquestrar o malfadado evento (será que é esse mesmo o seu propósito?). Caso um dos lados tivesse vencido, o outro só teria ficado mais ansioso por lutar novamente para tentar lavar sua honra. O resultado dessa competição é a vitória momentânea dos servos de Davi e a derrota inicial dos servos de Isbosete. Estes, no entanto, conseguem se reagrupar e continuar lutando (ver 2:25; 3:1, 6).

A coisa fica preta e Joabe sofre as maiores consequências pessoais. No confronto inicial, seus homens prevalecem sobre os servos de Abner e Isbosete. Abner bate em retirada junto com seus soldados e Asael inicia intensa perseguição contra ele. Parece que Asael é o caçula dos três irmãos e está determinado a alcançar Abner. Ele está bem atrás dele, o que confirma que Asael realmente tem asas nos pés. Será esta a oportunidade para ele provar a si mesmo que é um homem, um guerreiro de valor, como seus irmãos mais velhos? Pode ser que sim. Abner sabe que é Asael ou ele. Ele insiste para que Asael desista da perseguição e vá atrás de algum outro israelita, se quiser. Parece que Abner também sabe que o único jeito de parar Asael é matando-o, o que ele é mais do que capaz de fazer. No entanto, ele não está muito disposto a isso, pois sabe que depois terá de enfrentar Joabe, o irmão mais velho de Asael (sem falar em Abisai). Quando Asael se recusa a desistir da perseguição, Abner o atravessa com sua lança, não com a ponta, mas com o cabo. Isso deve demandar grande força e habilidade, o que Abner parece ter de sobra e saber muito bem disso.

Joabe e seu irmão mais velho, Abisai, não vão deixar a morte de seu irmão passar em branco, sem aquilo que consideram uma resposta apropriada: matar Abner, o qual matou Asael. Se eles matarem Abner em tempo de guerra, isso não será visto como assassinato, mas como instância de guerra (ver 3:28-34; I Reis 3:30-33). O problema parece ser que, embora a primeira vitória tenha sido dos homens de Judá, servos de Davi, Abner e seus homens conseguem tomar posição no cume de um outeiro, de onde podem se defender e observar o território inimigo (II Samuel 2:25). Quando Abner apela para Joabe ordenar um cessar-fogo, este concorda, afirmando que isso é realmente inevitável (2:26-28).

Ainda há estado de guerra entre os homens de Judá e os de Israel (3:1). Se Joabe ou Abisai conseguirem por as mãos em Abner, eles poderão matá-lo de forma legítima. O que Joabe não percebe é que sua oportunidade para tal está prestes a passar. Abner está tirando proveito do estado de guerra (3:6). Dá para perceber o que ele está fazendo. Ao longo da história de Israel, muitas guerras foram iniciadas ou prolongadas por causa daqueles que se beneficiaram delas. No capítulo três acontecem duas coisas que fazem Abner mudar não só de ideia, mas também de lado.

Primeiro, embora a posição de Abner esteja se fortalecendo em Israel, a casa de Saul está perdendo terreno para a casa de Davi. Abner está com a maior fatia do bolo, mas o bolo mesmo está diminuindo. Segundo, ele está mais ousado, tomando para si Rispa, uma das concubinas de Saul. Esse não é um ato meramente passional ou afetivo, nem mesmo uma tentativa de casamento; é um ato simbólico, que declara publicamente seu direito de governar em lugar de Saul (ver II Samuel 16:20-23; I Reis 2:19-25). Ele pessoalmente instalou Isbosete como rei, mas agora parece ter intenção de deixar de lado o fingimento e tornar-se o rei. Isbosete fica aborrecido com a atitude de Abner e lhe pede explicações. Abner fica furioso. Como é que Isbosete, um rei-fantoche, ousa questioná-lo? Abner relembra-o de que o fez rei e o protegeu de Davi. Como, então, Isbosete ousa contestar qualquer atitude sua? Isbosete fica em silêncio, pois sabe o suficiente de Abner para temê-lo. Para todos os fins, quem agora está no comando de Israel é Abner.

O que antes era uma verdade não afirmada, agora é uma realidade cristalina: Abner está no comando, não Isbosete. A renúncia de Isbosete é justamente o que Abner está esperando. Agora ele pode negociar um acordo com Davi, algo que permita que ele tenha uma fatia melhor de um bolo cada vez maior. Ele está prestes a mudar de lado. Ele sabe que é da vontade de Deus que Davi reine sobre Israel. Sabe que isso é inevitável. No entanto, ele é quem será o articulador, e isso está para acontecer. Por isso, ele vai até Davi e se oferece para fazê-lo rei sobre sobre todo Israel. Davi aceita sua oferta com uma condição (3:13): Abner terá de ir aos líderes de ambos os lados para negociar um acordo. Parece que, finalmente, Davi irá governar sobre Israel inteiro.

Preciso parar e sorrir diante da oferta de Abner, pois ela me faz lembrar de algo que me aconteceu alguns meses atrás. Eu tentava consertar o escapamento do carro da minha filha e resolvi que o melhor a fazer seria soldar o silencioso no cano do escapamento. O problema é que eu não tinha o tipo certo de liga para a solda. Eu conhecia um soldador das imediações que provavelmente saberia do que eu precisava e poderia me vender um pedaço de liga. No entanto, naquele dia, sua oficina estava fechada. A caminho de casa, passei por uma loja de escapamentos que estava aberta. Além de colocarem escapamentos, eles também faziam reparos em transmissões. Entrei na recepção, onde vários clientes aguardavam para serem atendidos. Não vi nenhum funcionário. Fui ao saguão de vendas e um rapaz me disse que eu estava na seção de “reparo de transmissões” e teria de ir à seção de “reparo de escapamentos”, no outro lado do prédio. Fui até lá, mas não encontrei ninguém que pudesse me ajudar. Finalmente, veio um homem dos fundos da loja, o qual vestia uma roupa que me levou a crer que trabalhasse lá. Fui até ele e lhe disse que estava fazendo um pequeno reparo e precisava de um pedaço de liga para solda para usar no cano do escapamento. Abaixando-se, ele pegou uma pedacinho de liga que estava no chão. “É disso que o senhor precisa?”, disse ele. “Sim”, respondi, “quanto lhe devo?” “Não sei”, respondeu ele, “por que não o leva? De qualquer forma, não trabalho mesmo aqui.”

Enfim, acabei indo ao escritório do gerente, onde paguei a quantia de US$ 1,00 e fui embora, com a consciência em paz. Antes de mais nada, o que gostaria de enfatizar com essa história é que o homem me ofereceu uma coisa que realmente não era dele. Em nosso texto, Abner “dá” o reino de Israel a Isbosete, um dos filhos sobreviventes de Saul. Ele dá o que não é dele, pois é Davi quem deve ser o rei, não Isbosete. Em seguida, para tornar as coisas ainda piores, quando há uma desavença entre ele e Isbosete, Abner “oferece” o reino a Davi. Novamente ele oferece aquilo que não é dele. Abner me lembra um pouco Satanás, que tenta “dar” ao Senhor o Seu próprio reino (ver Mateus 4:1-11; Lucas 4:1-12).

Imagine a surpresa e a angústia de Joabe ao voltar de uma investida e ficar sabendo que Davi acabou de receber Abner e sua delegação, e que os deixou ir em paz (3:22-23). Enquanto Joabe está fora fazendo a guerra, Davi está em casa fazendo a paz. Entendo que a expressão “em paz”, duplamente usada, é empregada para indicar que a guerra já acabou.

Estas não são boas notícias para Joabe ou para seu irmão Abisai. A guerra não estará terminada para eles enquanto Abner não estiver morto. Joabe repreende duramente Davi por ter deixado Abner ir embora, insistindo que as intenções dele não podiam ser nobres (3:24-25). Aparentemente, as palavras de Joabe não encontram em Davi um bom ouvinte, pois este deseja que sua decisão prevaleça. Joabe perde as esperanças de fazer Davi mudar de ideia. Assim, em vez de acatar sua decisão, Abner secretamente ordena a alguns mensageiros de confiança que, sob pretexto, tragam Abner de volta a Hebrom. Em seguida, quando consegue ficar a sós com ele, Joabe o mata (3:27). Uma vez que, oficialmente, é tempo de paz, não de guerra, a morte de Abner se torna assassinato. Davi se apressa a dizer que não tomou parte na conspiração e desaprova o que aconteceu (3:28 e ss).

O Que Podemos Aprender Com Abner E Joabe?

1) Podemos aprender algumas coisas sobre homens. Sempre fui uma pessoa do tipo “chapéu branco, chapéu preto”. Isso começou na minha infância, quando costumava assistir aos filmes de cowboy (faroeste). Era muito fácil distinguir os mocinhos dos bandidos: os mocinhos sempre usavam chapéu branco e os bandidos, chapéu preto (pelo menos é assim que eu me lembro). Normalmente vejo as pessoas dessa forma: com chapéu branco ou preto. Só não acho que isso aconteça muito na Bíblia. Davi usa “chapéu branco” a maior parte do tempo, mas há também uma porção de vezes em que usa “chapéu preto”. O mesmo pode ser dito de quase todos os nossos heróis bíblicos.

Quando vejo um personagem como Joabe percebo que o meu padrão “chapéu branco, chapéu preto” vai por água abaixo. Joabe é um homem extremamente violento. Ele mata dois homens a sangue frio e temos boas razões para crer que ele tenha matado muitos outros na guerra. Sabemos, por exemplo, que seu irmão Abisai matou 300 homens numa única batalha, sem nenhuma ajuda (II Samuel 23:18), e que estava determinado a matar Saul (I Samuel 26:6-12). No entanto, apesar dessas mortes, a Bíblia também fala que Joabe tem atitudes e qualidades louváveis. O que importa é que homens como Joabe não são do tipo “chapéu branco” ou “chapéu preto”; ele é um pouco de cada coisa.

Quando paro para pensar, vejo que isso também se aplica à maioria de nós. O fato puro e simples é que só há uma pessoa do tipo “chapéu branco” que viveu sem pecado - nosso Senhor Jesus Cristo. Ele é único que não teve pecado e damos graças a Deus por isso, pois é isso o que torna a Sua morte na cruz eficaz para nós. Sua morte não foi pelos Seus pecados, mas pelos nossos. Ele suportou o castigo pelos nossos pecados na cruz do Calvário. Ele nos dá a Sua justiça em lugar da nossa injustiça. E isso se torna possível pelo simples reconhecimento de que somos pecadores e precisamos de salvação, confiando na obra da cruz feita por Ele em nosso favor.

Se de fato apenas um homem do tipo “chapéu branco” já viveu, então temos de reconhecer que Deus normalmente realiza Seus propósitos por meio de pessoas que, de forma alguma, são perfeitas. Deus não Se limita a usar aqueles que podem ser usados. Ele pode nos usar para alcançar Seus fins mesmo quando somos rebeldes e estamos em pecado, como fez com os irmãos de José (Gênesis 50:20) ou com o próprio Faraó (Romanos 9:17-18), ou como Ele fará com cada incrédulo (Romanos 9:19-24). Que pensamento encorajador. Nada que façamos poderá prejudicar os planos e propósitos soberanos de Deus. Ele pode usar nossa rebelião e desobediência para atingir Seus propósitos com a mesma facilidade com que pode usar nossa obediência. Seremos usados por Deus para a Sua glória e até mesmo para o nosso próprio bem, de uma maneira ou de outra. Soberania significa que Deus pode e vai usar pessoas imperfeitas para alcançar Seus propósitos e cumprir Suas promessas. Graças a Ele por isso.

Entretanto, precisamos tomar cuidado para não dizer que, se não vivermos à altura de determinado padrão, se não tivermos uma vida espiritual plena, Deus não poderá e não nos usará. Ele nos usará sim, de uma maneira ou de outra. Contudo, isso não deve ser desculpa para uma vida negligente e pecaminosa; muito pelo contrário, deve ser motivo de nos entregarmos de todo coração ao Seu serviço, sabendo que, mesmo quando deixamos de ser ou de fazer o que deveríamos, os propósitos e as promessas de Deus serão cumpridos.

Vamos tomar cuidado também para não idolatrar pessoas, como se algumas delas realmente pudessem ter uma vida maravilhosa, impecável. Talvez elas queiram que pensemos que estão um pouco acima do padrão, que são mais piedosas, mais espirituais e, portanto, mais bem sucedidas. Quanto mais eu vivo, e mais líderes cristãos eu conheço, mais percebo que Deus usa vasos quebrados, instrumentos imperfeitos, para realizar Seus propósitos. É preciso muito cuidado para não idolatrar outras pessoas, confiando demasiadamente nelas e dependendo delas. Homens sempre falham. Deus nunca falha. Devemos manter nossos olhos fixos Nele, não nos homens. Dessa forma, quando os homens falharem, não ficaremos desiludidos, como se o próprio Deus, de alguma maneira, tivesse falhado. Só Deus é infalível.

2) Em nosso texto aprendemos algumas coisas sobre assassinato. A lei do Antigo Testamento fazia clara distinção entre aquilo que podemos chamar de morte na guerra, homicídio e assassinato. Em nosso texto, Abner não é considerado culpado por matar Asael, nem Asael teria sido assim considerado se tivesse matado Abner. Joabe também não seria culpado se tivesse matado Abner na guerra. No entanto, a morte de Abner em tempo de paz, bem como a morte traiçoeira de Amasa tempos depois, são consideradas claramente como assassinato. O assassinato é muito bem definido e, por isso, inequívoco, como fica claro para Davi e Israel quando Joabe mata Abner.

Se para um homem como Joabe matar Abner é assassinato, mesmo que este tenha matado o irmão dele, com toda a certeza também deve ser errado para uma mãe matar o próprio filho ainda eu seu ventre. Essa criança (com raras exceções) não ameaça a vida da mãe (caso em que o aborto poderia ser justificado), só sua liberdade. Se Deus levou tão a sério o assassinato de Abner (um homem violento e interesseiro), quanto mais levará a morte de uma criança indefesa, que espera que sua mãe a proteja, não que acabe com sua vida?

Anos atrás, num debate para eleição presidencial, perguntaram a George Bush (pai) se ele achava que aborto era crime. Sua resposta foi fraca e inconclusiva. Creio que a pergunta deveria ter sido respondida desta maneira: “Aborto é tirar uma vida humana. Nem sempre tirar a vida de outra pessoa é assassinato. Às vezes é um acidente. Às vezes é em defesa própria. No entanto, quando a vida de outra pessoa é tirada por motivos egoístas, às custas de um feto, então é assassinato.” Quando passarmos a ver o aborto como a retirada de uma vida humana, o debate terá terminado antes mesmo de ter começado. A Bíblia justifica a retirada de uma vida humana em raras e específicas circunstâncias, e a condena em outras, tais como no assassinato. Vamos dar nome aos bois: o feto é uma pessoa, uma vida humana. “Interromper” a gravidez é tirar uma vida humana; e aborto, pelos motivos mais frequentes com que é praticado em nossos dias, é assassinato. Se a indignação de Davi com a morte de Abner é justa, muito maior deve ser a nossa com a matança de crianças inocentes ainda no ventre de suas mães.

3) Os leitores contemporâneos, da mesma forma que os leitores israelitas da época de Samuel, devem aprender com texto como acontecem as divisões. O que Deus queria que os primeiros leitores deste texto aprendessem? Qual foi a mensagem para eles? Não sabemos ao certo quem foi o autor humano do texto, nem a data exata em que foi escrito. É possível que I e II Samuel tenham sido escritos logo após o Reino Unido (de Israel, sob os governos de Saul, Davi e Salomão)ter sido dividido por Reoboão e Jeroboão (ver I Reis 12).

Aqueles primeiros leitores devem ter se perguntado: “Como é que já fomos uma única nação e agora somos duas?” Embora a história da divisão ocorrida sob o reinado de Reoboão deva ter sido um fato bem conhecido, as raízes dessa divisão estão no passado. Na verdade, elas retrocedem à época de Davi e ao próprio texto que estamos estudando em II Samuel. Involuntariamente, Abner abre caminho para um reino dividido quando instala Isbosete como rei de Israel em lugar de Saul. Tanto ele quanto Joabe facilitam a futura divisão do reino quando consentem com a disputa entre os dois lados. E, quando essa disputa se transforma numa guerra prolongada, a dissensão entre eles se torna ainda maior. Poderíamos dizer que nosso texto descreve a origem da “rachadura” no alicerce da nação de Israel, e que essa rachadura aumentará com o tempo até transformar-se num abismo quase instransponível.

A facilidade com que o reino rapidamente se divide demonstra que as linhas divisórias já estavam traçadas, a rachadura no alicerce já estava lá. Não demora muito para que essa rachadura se transforme em abismo. Contudo, o que a causou? Nosso texto nos diz. Foram dois homens liderando exércitos oponentes. Tanto Abner quanto Joabe têm suas próprias agendas e nenhuma delas é digna de elogios. É como se ambos estivessem tentando provar que são homens de verdade. O cenário é tal que cada lado se sente na obrigação de se por à prova, e a idéia de uma disputa parece providenciar a oportunidade ideal; mas não prova nada. Só faz surgir uma tremenda guerra, a qual custará vidas preciosas, culminando em assassinato e demora para Davi assumir o governo de Israel.

Creio que essa disputa, bem como o conflito e a divisão subsequentes, é uma espécie de paradigma de muitas rixas e dissensões que vemos atualmente nos lares, no mundo e na igreja. Antes de refletirmos sobre isso, vamos dar uma olhada na igreja de Corinto. Será que não vemos um paralelo entre nosso texto e as rixas e dissensões daquela igreja? Não são os coríntios seguidores de homens, em vez de Cristo, justamente como os homens de nosso texto são seguidores de Abner e de Joabe? Há rivalidade e discórdia com base no grupo a que cada um pertence; e os líderes das facções são homens que buscam construir seus próprios impérios às custas dos outros. Como resultado, a liderança instituída por Deus é rejeitada por muitos. Não quero me estender nessa analogia, mas gostaria que percebessem que, na verdade, “não nada de novo debaixo do sol” (Eclesiastes 1:9).

Hoje em dia acontece a mesma coisa. Ocorrem separações nos casamentos porque homens e mulheres estão mais preocupados com seu próprio ego do que em satisfazer seus parceiros. Pequenos “desentendimentos” crescem ao ponto de se tornar uma verdadeira guerra. Homens e mulheres vão à igreja determinados a promover seus próprios interesses, construir seus próprios impérios e ganhar (e impressionar) seus próprios seguidores. Isso parece forçar as pessoas a tomar partido e se engajar nas batalhas que resultam disso.

Essas separações e os conflitos quase sempre começam com coisas pequenas, que parecem uma competição amistosa (o que, todos sabemos, é admitido e incentivado em nossos dias, mesmo dentro da igreja). Nem sempre as pessoas têm intenção de causar grandes problemas ou de magoar outras pessoas. É só uma “brincadeirinha inocente”, dizemos a nós mesmos. E assim é que, dois adolescentes, cada qual com seu carrão envenenado, param no farol vermelho e cruzam seus olhares. Os dois aceleram suas máquinas, um tentando impressionar o outro (e talvez alguma garota a seu lado). Quando o farol fica verde, ambos “se mandam”. Nenhum deles tem intenção de causar algum dano. É só uma brincadeira inocente. No entanto, nenhum dos dois quer dirigir dentro dos limites de velocidade, nem dar passagem ao outro e passar por bobo. Por isso, correm cada vez mais até chegarem a outro farol vermelho; mas nenhum deles quer, ou consegue, parar. E então, uma jovem mãe, com três crianças no banco traseiro, atravessa o farol verde, para ela... Ninguém queria que alguém se machucasse; só que, quando o nosso ego fala mais alto e a disputa começa, os problemas não ficam muito longe.

Quantos relacionamentos não são destruídos por causa do ego e da competição? Quantos casamentos arruinados? Quantas igrejas divididas? Talvez achemos que, porque é tudo uma brincadeira, com boa intenção, está tudo bem. A grande maioria dos pecados começa com coisas aparentemente inofensivas, até mesmo inocentes. É assim que o pecado começa: um pouquinho de ego, uma competiçãozinha, uma brincadeirinha... Alguns provérbios fazem referência a isso:

“Apanhai-me as raposas, as raposinhas, que devastam os vinhedos, porque as nossas vinhas estão em flor.” (Cantares de Salomão 2:15)

“assim é o homem que engana a seu próximo e diz: Fiz isso por brincadeira.” (Provérbios 26:19)

Dizem que as “raposinhas” devastam os vinhedos. Esse provérbio é muito comum hoje em dia. Não são as grandes coisas que nos destroem, mas as pequenas, que se tornam grandes. Dar uma mordida numa fruta parecia algo bem insignificante; desobecer uma ordem direta de Deus era outro assunto. Que mal pode haver numa “pequena disputa”? Nós sabemos, não sabemos?

Tenho observado que muitas vezes brincamos com coisas que seriam inadequadas em outro contexto. Sei que há piadas limpas, mas acho que contamos piadas sujas porque, de alguma forma, as palavras ditas soam diferentes - mais aceitáveis. Creio que homens e mulheres brincam um com o outro no trabalho porque esta é uma maneira de falar de coisas proibidas que são aceitáveis. Muitas vezes, brincamos com alguma coisa como uma espécie de teste, para ver qual será a reação das pessoas. Se a reção for negativa, podemos dizer: “Foi brincadeirinha...” Mas, se for positiva, insistimos no assunto com mais determinação. Sejamos cautelosos com as “coisinhas pequenas” que levam a grandes pecados.

Só mais uma palavrinha sobre “coisinhas pequenas”. Com bastante frequência, essas coisinhas também são a causa do romprimento do nosso relacionamento com Deus. Nossa preocupação com os perdidos e nosso zelo pela sua salvação começam a diminuir. Parece uma coisinha de nada, tão pequena que nem mesmo percebemos. Nossa vida de oração vai minguando imperceptivelmente. O tempo que dedicamos à Palavra de Deus, ou o quanto lemos dela, vai diminuindo. É só uma coisinha de nada. De repente, a rachadura está lá. Pode não aparecer durante meses, ou até mesmo anos. Entretanto, quando a crise chega, a rachadura se abre transformando-se em total separação. Tomemos cuidado com as rachaduras que aparecem devido a nossa fraqueza e negligência.

Dirijo-me principalmente aos cristãos, os quais, pela fé em Jesus Cristo, têm um relacionamento pactual com Deus. As rachaduras podem aparecer e elas enfraquecem esse relacionamento. Elas não enfraquecem a realidade da salvação dos pecados ou a segurança dos santos em Cristo, mas podem enfraquecer a comunhão e a intimidade desse relacionamento. Contudo, é possível também que você não seja cristão. Pode ainda não ter reconhecido seu pecado e a necessidade de perdão. Talvez não saiba com certeza que seus pecados são perdoados e que você está destinado a viver por toda a eternidade na presença de Deus. Se é assim, seu problema não é uma pequena rachadura, mas um abismo enorme - um abismo que seus pecados criaram entre você e Deus. Jesus Cristo veio ao mundo como o inculpável filho de Deus - totalmente Deus, totalmente homem - para revelar o Pai aos homens e morrer na cruz do Calvário, suportando o castigo pelos nossos pecados. Ele veio remover a separação existente entre Deus e os homens. Tudo o que você precisa é reconhecer seu pecado, sua necessidade de perdão e então confiar na morte sacrificial de Jesus Cristo na cruz do Calvário em seu favor. É na vida, morte e ressurreição de Jesus que Deus torna possível a você a salvação. E é pela fé em Jesus que você recebe essa salvação. Se você ainda não confia Nele, oro para que o faça agora.

Tradução: Mariza Regina de Souza

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